sexta-feira, dezembro 30, 2005

Arco da velha



Português: arco-íris
Espanhol: arco iris
Francês: arc-en-ciel
Italiano: arcobaleno
Inglês: rainbow
Alemão: Ragenbogen


Minha vó dizia que sempre que ele aparece, tudo vai ficar bem. Falava também que, enquanto ele surgir, o mundo não acabará. Certamente influência remota da história bíblica de Noé e o dilúvio.

Ontem sonhei que segurava as pontas do arco-íris em minhas mãos...
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Arco-íris

Arco, arco celeste, arco-da-chuva, olho-de-boi, conhecido em Portugal e no sul do Brasil como arco-da-velha.

Erasmo Braga (Leitura, v.1, p.94): "Sobre o oriente nublado apareceu um lindo arco-íris duplo. – Lá está o arco-da-velha, gritou Joãozinho. – Tio Carlos, é verdade que o arco-íris está bebendo água no córrego, e engole as crianças que andam pela beira do rio?".

Sobre o arco-íris, Luís da Câmara Cascudo (Informação de história e etnografia): "O sertanejo não gosta do arco-íris porque furta água. No litoral se distrai bebendo água nos rios, lagoas, fontes. Não bebe água do mar como as nuvens. Ao princípio da succção é fino, transparente, incolor. Depois fica largo, colorido, radioso. Farto, desaparece. Você é como o arco-íris – diz o sertanejo – bebeu, sumiu-se! Para o sertão o arco-íris sorve a água das nuvens. Bebe a dos riachos e córregos. Quando se dissipa, deixa o céu limpo de névoas, nuvens anunciando chuvas. Há um remédio para fazê-lo ir-se embora. O arco-íris é inimigo das linhas retas. Riscam desenhos direitos, põem filas de pedrinhas, gravetos, pauzinhos. O arco desmancha a galhardia seticolor, e viaja. Não conheço lenda sertaneja sobre o arco-íris. Para as populações indígenas, de quase todo continente americano, é uma víbora que ataja la lluvia y no deja llover. O arco-íris víbora é a materialização mais espalhada no mundo. Na terra americana é sempre maléfico e odiado. Na Europa é figura de carinho e com respeitos sobrenaturais. Os gregos e romanos diziam-no sinal luminoso das passagens de Íris, voando do Olimpo à terra com mensagem de Juno. Na poesia guerreira dos Edas, as sagas do Niebelungnot, o arco-íris é Bifroest. A morada dos deuses nórdicos, Asgard, é cercada pelo rio Mota-Bifroest, é a ponte que transpõe o rio. Caminho eterno dos pés divinos." (p.210-203).

Quem passa por debaixo do arco-íris muda de sexo e o recobrará, se o repassar em sentido contrário. Na Córsega, Finisterra (França) e norte da Inglaterra há a mesma tradição de dispor pedras em filas para desfazer o arc-en-ciel (P. Sébillot, Le paganisme conteporain chez les peuples celto-latins, Paris, 1908). A serpente, personalizando um fenômeno meterológico, é universal. Para os gregos e romanos era o símbolo dos rios, pela sinuosidade e rapidez do curso. Na África a serpente é o arco-íris para sudaneses e bantos, a N’Tyama, cavalo de Nz’ambi, a Mu-kyama, etc. (Padre Tastevin, Les idées religieuses des africains, 8, 10).

Robert Lehmann-Nitsche (Mitologia sudamericana) reuniu os depoimentos indígenas sobre o arco-íris, mostrando a maioria coincidir com a imagem serpentina. Os albaneses também crêem que o arc-en-ciel est un serpent qui descend sur la terre pour boire de l’eau Gihac. Joaquim Ribeiro, estudou extensamente o assunto (A tradição e as lendas, p.19-34, Rio de Janeiro, 1929). Paul Sébillot (Le folk lore, 118) resumiu as versões européias: "Sa puissance en bien ou en mal est considérable; il peut dessécher les étangs et les rivières, avaler les poissons, enlever les navires, flétir les plantes sur lesquelles se pose une de ses extrémités, changer le sexe de ceux qui passent dessous; là où il touche la terre se trouvent des merveilles ou des présents; l’eau qui y est puisée guérit les maladies".

A representação do tempo, ano, defuntos, vida subterrânea, encarnação de ressuscitados têm igualmente grandes áreas de fixação, oráculo de Piton, símbolos de adivinhos e médicos, etc. No Panteon mexicano há multidões de deuses com nomes terminais em coatl. Coatl é serpente e traduzir-se-á: o que contém água, co, vazinha, o continente, e atl, água. As serpentes eram os emblemas dos Lares Compitales ou Viales. Indicava o lugar consagrado, sacer locus. Por isso Pérsio mandava pintar duas serpentes, mostrando a santidade do local: pinge duos angues (Sátira, I).

O arco-íris serpente desapareceu nas tradições brasileiras mas sobrevive a impressão indecisa e vaga de uma grandeza maléfica. Osvaldo Lamartine reuniu uma série de comparações populares no agreste do Rio Grande do Norte. Destaco: beber como o arco-íris.

Arco-da-velha, comum em Portugal e Brasil, tem merecido comentários e pesquisas (João Ribeiro, Frases feitas, p.151-154, Rio de Janeiro, 1908; Luís Chaves, Ocidente, XXVII, 257). João Ribeiro: "A idéia de velha, reunida a arco, provém da corcova ou corcunda que é própria tanto do arco como da velha… Esta analogia tenho para mim que é a fonte mais segura; os fabulários e isopetes medievais contaram a história do arco da velhice, isto é, da corcova valetudinária e senil, ocasião de motejo para os rapazes". Cita Francesco Pera, que simula um diálogo entre a Gioventu que quer comprar, por zombaria, o arco da Vecchieza, respondendo esta que de futuro a mocidade o possuirá, envelhecendo (p.153-154).


Este texto foi extraído do Dicionário do folclore brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo.